Sem exagero material, sem exagero espiritual


A ciência muitas vezes tem procurado ver o ser humano apenas nos limites da matéria. Podemos dizer que seria o exagero material, pois nessa perspectiva não há espaço para aquilo que não possa ser estudado e provado nos laboratórios. Nós como cristãos, por outro lado, reconhecemos que a existência do ser humano só é possível com a sua espiritualidade. Contudo, tal como alguns materialistas, às vezes acabamos tendo uma inclinação um tanto que exagerada e tendenciosa em nossas concepções, sendo que no nosso caso no aspecto teológico, a ponto de praticamente negarmos tudo aquilo que esteja na dimensão terrena, como se fosse mal, pecaminoso e sujo. Assim vemos certos crentes com receio de qualquer abordagem que remeta ao terreno, quer seja sexual, financeiro, físico, cultural, artístico, filosófico, sociológico, intelectual ou acadêmico. Provavelmente foi por isso que Rousseau chegou a conclusão de que o "cristianismo é uma religião inteiramente espiritual, preocupada unicamente com as coisas do céu, não pertencendo a pátria do cristão a este mundo". Que é verdade que a nossa pátria não é deste mundo, Rousseau tem toda razão, mas preocupada unicamente com as coisas do céu, sem dúvida, é uma percepção errada da fé cristã. Ele chegou a dizer que para o cristianismo pouco "importa se tudo vai bem ou mal cá embaixo". O que biblicamente falando não é verdadeiro.

O evangelho de Cristo jamais nos conduz a uma dimensão de indiferença para com o que acontece "cá embaixo".  É claro também que o nosso tesouro está no Céu e que a solução para transformar o mundo está no poder do evangelho de Jesus, porém não podemos pensar que a vida terrena seja uma maldição e que por isso não devemos nos importar ou nos interessar pelas coisas desta vida. Lembro-me que quando estava para fazer a faculdade um irmão na fé viu a minha iniciativa com certa dúvida, como se eu estivesse sendo carnal. Aos seus olhos, como ministro do evangelho, eu deveria estudar a Bíblia ou ler livros religiosos e me afastar de qualquer estudo ou atividades que não fossem religiosas, pois de outro modo o meu ministério estaria correndo o risco de ser corrompido. Com certeza, a nossa força e sabedoria na realização da obra de Deus não se encontram em nós mesmos ou em mecanismos meramente humanos, mas no poder e na sabedoria de Deus. Sinceramente eu creio que precisamos desenvolver uma vida de dependência de Deus através do estudo de Sua Palavra e orações incessantes. Mesmo porque a nossa luta não é contra carne ou sangue e, sim, contra as forças espirituais da maldade. Mas isso não significa que temos que ser negligentes quanto aos nossos deveres terrenos. Estamos no mundo como mordomos de Cristo. Portanto, devemos sempre fazer o melhor em tudo para a glória de Deus, seja no espaço eclesiástico, mas também doméstico, profissional, estudantil, desportivo, cívico ou em qualquer outro lugar onde Deus nos colocar. O exagero material nos leva ao ceticismo espiritual, mas, decerto, o exagero espiritual nos leva a uma terrível e trágica alienação social, tal qual os cristãos tessalonicenses que não queriam mais trabalhar porque aguardavam a segunda vinda do Senhor.

Por algum motivo, em certa época da História, a Igreja fez a divisão entre o sacro e o secular. Como se nós tivéssemos dois tipos de vida: uma com Deus e outra no mundo. Nesse tipo de mentalidade a vida com Deus é expressa com liturgias, cultos, estudos bíblicos, evangelização etc. A vida com os homens se expressa no lar, no trabalho, nos estudos, enfim, em atividades que não possuem objetivamente cunho religioso. Esse tipo de entendimento geralmente leva a pessoa a ter um sentimento de culpa quando se está envolvida com alguma atividade que não seja especificamente religiosa. No entanto, precisamos absorver de fato que a vida com Deus se expressa tanto com os motivos religiosos como também com os pormenores do quotidiano. Gostei muito da colocação de Cecil Osborne: "Com Deus, não há categorias, tais como ciência e religião, o sagrado e o profano". Com Deus tudo é santo. Mesmo porque uma vez que estamos unidos a Ele pela fé em Cristo, não iremos fazer o que é contrário ao Seu caráter santo. Por conseguinte, podemos dizer que a vida cristã é uma perfeita harmonia entre o espiritual e o terreno, um maravilhoso equilíbrio com os privilégios do Céu, mas também com os deveres da terra. O exagero espiritual é sinal de ansiedade religiosa, uma espécie de inquietação que não consegue descansar nas promessas e na própria graça de Deus. Não existe problema algum em o crente estudar, trabalhar, casar, cuidar da casa, cortar grama, varrer o quintal, enfim, ter uma vida natural. Com Deus o natural é também espiritual. Com Deus até mesmo as coisas mais simples da vida são modos de adoração e louvor a Deus. Com Deus, como reconhece Osborne, "todo aspecto da vida é sagrado". Só para lembrarmos rapidamente, Billy Graham formou-se em Antropologia e foi poderosamente usado por Deus como um grande evangelista internacional. Philip Yancey se formou em Jornalismo e Deus o tem usado como um excelente escritor evangélico. David Livingstone era formado em medicina e Deus o usou extraordinariamente como missionário na África. George Washington Carver foi usado por Deus como um brilhante cientista. E Deus tem usado muitos outros de diversas formas, de muitas maneiras. 
"Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (I Coríntios 10:31).

Pr. Adriano Xavier Machado